sábado, 7 de maio de 2011

BOA-FÉ E RECEBIMENTO INDEVIDO DE PENSÃO POR MORTE



Além das viúvas negras (referência à aranha fêmea que mata o macho após a cópula) que pululam no mundo fático e jurídico das pródigas pensões por morte deferidas pelo INSS, é comum também de quando em vez, pensionistas ajuizarem ações  objetivando que  aquela autarquia se abstenha de efetuar descontos de quaisquer valores em seus contracheques e a restituir os valores já descontados, a título de compensação, em face de recebimentos indevidos do benefício em comento.

Isso acontece muito quando as pensionistas recebem pensão por morte deixada por seus falecidos esposos, as quais com filhos menores passam a receber para os seus rebentos menores, que têm direito à percepção até a maioridade, ou seja, até os seus 21 anos.

Não se entende muito o motivo, mas o INSS só percebe o equívoco tempos depois,  suspendem o pagamento informando também que as quantias recebidas deverão ser descontadas dos valores do benefício recebido pela impetrante ,o que faz com base no Decreto 3.048/1999.

As pensionistas sempre alegam boa-fé e, se escorando na jurisprudência pátria,  repudiam os descontos efetivados.


Fundamentam na boa-fé, conceito até difícil de ser analisado.

A jurisprudência pátria é praticamente pacífica no sentido de que não pode haver os descontos, haja vista que a verba é de natureza alimentar e as partes beneficiárias, acredita-se, agem de boa-fé.

            Nesse sentido, os seguintes arestos:

Processo
AgRg no Ag 1318361 / RS
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
2010/0109258-1
Relator(a)
Ministro JORGE MUSSI (1138)
Órgão Julgador
T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento
23/11/2010
Data da Publicação/Fonte
DJe 13/12/2010
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO A MAIOR. ERRO ADMINISTRATIVO.
RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO INDEVIDA.
  1. Em face do caráter social das demandas de natureza
previdenciária, associada à presença da boa-fé do beneficiário,
afasta-se a devolução de parcelas pagas a maior, mormente na
hipótese de erro administrativo.
  2. Agravo regimental improvido.


Processo
AgRg no Ag 1170485 / RS
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
2009/0138920-3
Relator(a)
Ministro FELIX FISCHER (1109)
Órgão Julgador
T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento
17/11/2009
Data da Publicação/Fonte
DJe 14/12/2009
RIOBTP vol. 249 p. 168
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES
PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO.
DESNECESSIDADE. BOA-FÉ DO SEGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA. NATUREZA
ALIMENTAR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
É incabível a devolução pelos segurados do Regime Geral da
Previdência Social de valores recebidos em decorrência de erro da
Administração Pública. Entendimento sustentado na boa-fé do
segurado, na sua condição de hipossuficiente e na natureza alimentar
dos benefícios previdenciários.
Agravo regimental desprovido.



A boa-fé consiste em um princípio geral de direito de não lesar outra parte com base no erro ou ignorância, devendo as partes agirem com lealdade e confiança recíprocas, para que haja segurança nas relações jurídicas. É dizer que a boa-fé corresponde a uma falsa convicção sobre uma relação ou situação jurídica originada do desconhecimento da verdadeira situação. Tem conexão com a motivação da conduta praticada, em que o sujeito ignora o vício ou obstáculo à aquisição do direito, acreditando na legalidade ou validade do ato que se pratica, levando a pessoa a crer ser titular de um direito que somente existe na aparência.


Citado pelo Desembargador Edilson Nobre, Alípio Silveira narra que “a boa-fé é de ser reputada como conceito dotado de elasticidade, variável de acordo com a natureza jurídica da relação das circunstâncias especiais do caso concreto”. (O princípio da boa-fé e sua aplicação no Direito Administrativo Brasileiro, pg. 154, Porto Alegre, 2002, Sérgio Antônio Fabris Editor)


O mesmo Desembargador visualiza boa-fé no art. 3º., I, da nossa Lei Fundamental, salientando que o art. 170 “(...), visa assegurar a todos existência digna (grifo nosso), conforme os ditames da justiça social”. (O princípio da boa-fé e sua aplicação no Direito Administrativo Brasileiro, pg. 155, Porto Alegre, 2002, Sérgio Antônio Fabris Editor)
Na maioria dos casos são pessoas simples que recebem o equivalente a um salário, que,falando em legalidade estrita, cometem ilícito, mas descontar dos seus parcos benefícios 30% para devolução do recebido indevidamente é o mesmo que dá o tiro de misericórdia naqueles que só tem aquela pensão para sobreviver.

Na Execução do CPC ou na da lei n 6830/80, a persecução da dívida deve se operar da forma menos gravosa.


É necessário salientar que se o órgão autárquico  tem alguma dúvida sobre a boa-fé das partes beneficiadas, que apure   na esfera penal e/ou administrativa, e nesse caso  descobrirá também porque seus agentes administrativos faltam com o dever de fiscalizar que lhes é obrigatório.

Sai mais barato e produtivo a autarquia perseguir os marajás, as viúvas negras, alocar pessoal para fiscalizar e cobrar judicialmente dos grandes devedores que perder tempo com minguadas cobranças que trazem de volta aos cofres previdenciários alguns trocados que com certeza não resolverão o déficit crescente.

Antes de tudo, a Previdência deveria “olhar para sua cozinha” e perquirir dos seus servidores o porquê de tanta dormência para cessar a concessão de benefícios indevidos, o porquê de tanta gestão em tecnologia da Dataprev que não consegue criar um programa que dê o alerta de que cessou o beneficio em casos que tais.

Particularmente, acho que tal controle tecnológico existe, mas parece que as máquinas agem ali sozinhas e desrespeitam os comandos humanos, concedem os benefícios para desespero das maiores autoridades previdenciárias, que sempre respondem com ameaças aos direitos dos trabalhadores, cortes nos benefícios, reformas e mais reformas.

Que computadores teimosos!

Ironias a parte, penso que o buraco, senhores de Brasília, é mais em baixo.