sábado, 5 de março de 2011


 
EXECUÇÃO FISCAL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL E CONTINUIDADE DO
EMPREENDIMENTO


Quando a lei 6.830, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida
Ativa da Fazenda Pública, foi editada em 22 de setembro de 1980 o
país vivia um momento de indefinições políticas e econômicas.
Era uma época era de abertura, de crise fiscal, de crise do petróleo
e diversos embates na política interna, inclusive de acirramento nas
relações entre esquerda e direita, naquele momento com uma linha
divisória bem marcada. Vigia a antiga lei de falências e concordatas
(Dec.lei 7661/45), que retratava um momento econômico em que o
patrimonialismo das empresas se expressava, dentre outros fatores,
pelos ativos imobilizados e estoques altos.
O mundo mudou. Veio a globalização acelerada, o avanço
tecnológico, as terceirizações, a volatilidade do capital, a
desterritorialização das empresas, a virtualização no mundo dos
negócios, a mobilidade das comunicações, a internet - a maior
revolução - e a caminhada para um mundo sem fronteiras. Paralelo a
isso, o desemprego, principalmente nos países atrasados.
O aumento do comércio virtual, o crescimento de empresas terceirizadas
e de prestação de serviços atestam que a constituição do capital
das empresas mudou. A realidade agora é outra.
Nesse novo cenário, quebras e dificuldades para o andamento dos
negócios passaram a ser rotina para as empresas. Com custos mais
altos, elas passaram a demitir, enxugar (os famosos downsizings),
procurando ganhar com produção em escala, aliando processos
tecnológicos, otimizando os resultados com menos pessoal trabalhando
nos moldes antigos.
No caso brasileiro, o que se viu foi um aumento de pedidos de falência
e o fechamento de empresas que não conseguiam suportar o peso da carga
tributária.
Entre fluxos e refluxos de ações legislativas, foi editada em 2005 a
lei 11.101, a nova lei de falências, que regula as recuperações
judicial e extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade
empresária. A referida lei retratou uma preocupação social do
legislador, pois que, nas palavras de João Roberto Parizzato, “ a
finalidade precípua de tal disposição legal é priorizar a
recuperação das empresas que se encontrem em dificuldades
financeiras, viabilizando-se uma forma de negociação de suas
dívidas, de modo que possam continuar a funcionar e garantir seus
negócios e empregos, evitando-se assim, a decretação da
falência” (Prática da nova lei de falências, Ed. Parizzato, Ed.
2005).
Pois bem, comparando os textos legais e as épocas, vê-se que hoje
existe uma preocupação do legislador que considera as mudanças
econômicas, porém ainda falta aos operadores do Direito que militam
na cobrança da Dívida Ativa desvencilharem-se do espírito leonino
da Execução Fiscal e adaptarem o sentido da lei à nova realidade
econômica globalizante.
Mas como ainda “há Juizes em Berlim”, o Judiciário vem mudando
esse quadro, como mostra recente decisão em que o Juiz Artur
Bonifácio, da 2a Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária da Comarca Comarca de Natal(RN),
julgou com
equilíbrio acão anulatória de débito fiscal proposta em face da
Fazenda Pública Estadual objetivando a anulação de multa imposta a
uma empresa do ramo de consórcio.
A peleja foi iniciada porque uma consorciada efetuou o pagamento de
20 parcelas de um plano de 96 meses e desistiu de prosseguir na
empreitada, não mais realizando o pagamento de qualquer valor, sendo
excluída do grupo. Pretendendo receber os valores já pagos,
apresentou reclamação ao PROCON, e algum tempo depois, foi lavrado,
pela Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor, auto de
infração cominando uma multa contra a administradora no valor de
49.940 UFIRS, correspondentes a R$ 53.142,00 .
O dispositivo da Sentença foi nos termos que a seguir tran
screvo: ​​"Por todo o exposto, julgo PROCEDENTE, EM PARTE, a
referida demanda: a) mantendo a aplicação de multa decorrente do auto
de infração; b) reduzindo a multa aplicada para R$ 10.000,00, valor
que deve ser corrigido a partir da data do depósito judicial
(31/07/2006, fls. 151), conforme o índice aplicado pelo Banco do
Brasil para o depósito referido. Verificada a sucumbência recíproca,
determino que as partes rateiem as custas e arquem, cada uma, com os
honorários advocatícios, respectivamente."

 
Entendendo de outro jeito, a Sentença enveredaria pelo caminho da
injustiça, pois atenderia a quem? Ora, a consorciada queria seu
reembolso e a Fazenda, aplicando normas administrativas exorbitantes,
queria uma fatia do bolo maior do que merecia a consorciada.
 
A Carta Maior, mais precisamente no art. 6º, elege o trabalho como um
Direito Social. Se todas as decisões judiciais em casos como esse
seguissem os desejos fazendários, em breve todas as empresas assim
autuadas teriam de fechar as portas, levando ao desemprego inúmeros
trabalhadores.
Atente-se que consórcios não estão sujeitos a Falência, devido à
proibição inserida na lei 11.101/05, mas a referência aqui feita
objetiva mostrar que decisões que não diminuem a sanha arrecadadora
exorbitante e inconstitucional dos órgãos fazendários apenam mais a
empresa que os nefastos efeitos elencados na lei falencial.

Boanerges Cezário
Pós-Graduando em Direito Constitucional eTributário/UNP